Caso Moraes: Busca e apreensão é medida abusiva, dizem juristas

O mandado de busca e apreensão cumprido pela Polícia Federal (PF) na última terça-feira (18), com a finalidade de averiguar nuances do episódio envolvendo o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no Aeroporto de Roma, é visto como ilegal e abusivo por juristas consultados pela Gazeta do Povo, em matéria publicada nesta quinta (20).

A diligência foi determinada pela presidente do STF, ministra Rosa Weber, na casa dos acusados de injúria e agressão a Moraes: o empresário Roberto Mantovani e de sua esposa, Andréa, que residem em Santa Bárbara d’Oeste, em São Paulo.

A finalidade seria obter documentos, celulares e computadores que possam dar luz à investigação que apura a prática de crimes como injúria, perseguição e desacato contra Moraes, em processo que corre sob sigilo.

O primeiro erro apontado por juristas é que a jurisdição do caso não poderia ser, em hipótese nenhuma, o STF. Quanto à agressão, se não houve lesão corporal, não há que se falar em crime, mas apenas contravenção penal.

Os possíveis crimes especulados, que seriam injúria, difamação, ameaça e lesão corporal, não produzem pena superior a dois anos de prisão, não permitindo persecução criminal no Brasil e o devido cumprimento da pena.

Para que o processo venha para a Justiça brasileira, o STF teria que alegar que houve “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, crime cuja pena é de quatro a oito anos de prisão.

De acordo com o advogado Igor Costa Alves, que possui mestrado em Direito pela Universidade de Lisboa, “não se pode presumir que os ataques verbais a uma autoridade sejam um ataque à instituição a que essa autoridade pertence que dirá um atentado contra a democracia”.

Para a advogada e consultora jurídica Katia Magalhães, os ministros da Suprema Corte estão dando uma amplitude desmedida ao raio que engloba crime de abolição do Estado de Direito.

Qualquer tipo de questionamento, de colocação em xeque da eficácia das urnas eletrônicas, por exemplo, tem sido indevidamente classificado como um atentado ao Estado de Direito. Não enxergo dessa forma. As pessoas têm pleno direito de questionar não só o sistema eleitoral, mas até a lisura das eleições e a atuação dos ministros do Supremo. Deve haver um ambiente de liberdade de expressão e, eventualmente, para os casos de pessoas que se sentirem ofendidas, existem os juízos de primeira instância – destacou.

Katia enxerga toda essa personificação da democracia na figura de um ministro do Supremo como reflexo “de um autoritarismo crescente no meio judicial”.

Na pior das hipóteses, isso poderia configurar um crime contra um homem, contra a sua honra, mas jamais um crime contra o próprio Estado Democrático de Direito. Porque, se adotarem esse raciocínio, haveria uma inteira confusão entre a pessoa de Alexandre de Moraes e a figura do Estado de Direito, e então nós teríamos de volta os tempos de absolutismo – uma interpretação totalmente anacrônica e disparatada em relação aos Estados de Direito modernos – observou a advogada.

Se for comprovada, de fato, a ofensa pessoal ao ministro, e se o caso tivesse ocorrido no Brasil, seria de competência de um tribunal de primeiro grau.

Mesmo que a jurisdição da ação penal fosse do STF e houvesse motivação legítima para um mandado de busca e apreensão, isso só poderia ocorrer após a realização de outras diligências.

Para Costa Alves, “a busca e a apreensão nunca pode ser a primeira medida de investigação”.

Ela tem que suceder outras medidas menos invasivas aos direitos fundamentais e à esfera privada. Só depois, mediante fundadas razões, é que, em tese, é possível uma busca e apreensão. E nada disso parece ter ocorrido nesse caso – explicou.

A medida conhecida como fishing expedition [pescaria probatória] é denunciada por muitos juristas como modus operandi do ministro Alexandre de Moraes. Neste caso, também, parece se tratar do recurso marginal da má conduta judicante.

Parece, sim, haver fishing expedition – pescaria probatória –, que é uma forma de o Estado produzir provas de maneira ilegal e inconstitucional, atentando contra os direitos fundamentais das pessoas – sem qualquer tipo de fundada razão, começar a invadir a privacidade das pessoas para obter de maneira ilícita provas que a incriminem de algum modo – adverte Costa Alves.

Ele explica que a comprovação dessa prática, por si só, já seria suficiente para a nulidade da investigação.