Inimigos do Brasil: como China e Índia se tornaram um nó para a vacinação

Os dois países mais populosos do mundo tentam equilibrar prioridades internas com o interesse em exportar vacinas e insumos para outros destinos.

O presidente Jair Bolsonaro recebeu o embaixador da Índia em Brasília, Suresh K. Reddy, nesta segunda-feira (18), no Palácio do Planalto, para discutir a compra de vacinas da AstraZeneca/Oxford produzidas pelo laboratório indiano Serum que não foram entregues ao Brasil.

No dia seguinte ao encontro, terça-feira (19), o Ministério das Relações Exteriores da Índia anunciou que iniciaria a exportação da vacina para seis países vizinhos e parceiros-chave, mas não incluiu o Brasil na lista, formada por Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e Seicheles.

Na mesma terça-feira (19), o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) entrou em contato com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para tratar da liberação de insumos que estão parados em Pequim. Um encontro entre eles ficou marcado para quarta-feira (20), para tentar desembaraçar a entrega.

No caso da Índia, a importação do material foi frustrada pela primeira vez na quinta-feira (14), quando o governo brasileiro abortou a decolagem de uma aeronave da companhia Azul que partiria do Recife para buscar duas milhões de doses da vacina que estariam esperando para serem retiradas em Mumbai, centro financeiro e maior cidade da Índia. A operação foi adiada para sexta-feira (15), mas, um dia antes, acabou definitivamente cancelada pelo presidente brasileiro.

Um avião está dentro de um lugar que parece um grande galpão. Nele se lê: "vacinação, Brasil imunizado, somos uma só nação". Há também um selo do SUS (Sistema Único de Saúde) e do governo federal.

O cancelamento ocorreu após o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Anurag Srivastava, ter dito que ainda era “muito cedo” para falar na exportação do produto. Depois do cancelamento, Bolsonaro disse que a importação da vacina terá de esperar “até que o povo comece a ser vacinado lá [na Índia], porque lá também tem as pressões políticas de um lado ou de outro”.

Antes do encontro com o embaixador, Bolsonaro vinha estimando que a entrega do imunizante produzido na Índia poderia “atrasar dois, três dias”. Após a reunião, ele publicou uma foto ao lado de Reddy, dizendo “bom dia a todos”, sem dar detalhes do resultado do diálogo.

No caso da China, Maia disse que “o governo brasileiro interditou a relação” com Pequim, depois dos seguidos ataques que o presidente e seus filhos fizeram desde pelo menos novembro, quando deram declarações e publicaram posts culpando os chineses pela pandemia, desconfiando da vacina chinesa e até acusando o país asiático de querer espionar o Brasil por meio da tecnologia 5G de telefonia celular e internet.

Problemas com insumos
Nos dois casos, o Brasil teme não apenas a interrupção no envio de vacinas prontas, mas também a interrupção no fornecimento do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). O componente é indispensável para a fabricação dos imunizantes e o estoque nacional é curto. No caso de São Paulo, só chega até o fim do mês.

Um lote de 11 mil litros do IFA está parado no aeroporto de Pequim. O carregamento seria suficiente para a formulação de aproximadamente 18,3 milhões de doses da Coronavac no Brasil. Há 6 milhões de vacinas prontas aqui, além de insumos para a produção de mais 4,8 milhões de doses.

No caso do governo federal, a Fundação Oswaldo Cruz esperava receber do fabricante chinês Wuxi, comissionado da AstraZeneca, insumos para a produção de 1 milhão de doses da vacina de Oxford. O carregamento não chegou na data original, em dezembro, nem na segunda data prevista, 12 de janeiro.

A situação interna na Índia
A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, atrás apenas da China. Na pandemia, o país realizou o maior lockdown do mundo para conter a propagação do vírus, em março de 2020. O governo autorizou a reabertura gradual do comércio a partir da segunda metade daquele ano, mas há restrições ainda em vigor no território indiano. Nesta terça-feira (19), o país ocupava o terceiro lugar em número absoluto de mortos pela covid-19 (152 mil), atrás apenas dos EUA (399 mil) e do Brasil (210 mil).

A campanha de vacinação teve início na índia no sábado (16), com a promessa feita pelo primeiro-ministro, Narendra Modi, de realizar “a maior vacinação do mundo”.

Assim como Bolsonaro, Modi é um dos expoentes da nova onda conservadora entre os líderes mundiais.

Sob seu governo, a Índia sediou a fabricação de dois imunizantes, que agora começam a ser distribuídos à população: o da AstraZeneca, produzido no Instituto Serum, e o Covaxin, produzido pela companhia local Bahrat Biotech.

Os aproximadamente 30 milhões de profissionais de saúde existentes na Índia terão prioridade na fila. Em seguida, serão vacinados os maiores de 50 anos e todos aqueles que possuírem fatores adicionais de risco.

Em no máximo oito meses, o governo pretende vacinar 300 milhões de indianos, o que é mais do que a população total do Brasil, hoje em 209 milhões de pessoas. Entre as dificuldades da campanha estão as dimensões continentais da Índia, a precariedade das conexões logísticas e a falta de estrutura para refrigerar o material em algumas zonas.

Qual a situação na China
Até terça-feira (19), a China só tinha vacinado 10 milhões de pessoas, de uma população de 1,4 bilhão, a maior do mundo. Só para imunizar seus profissionais de saúde serão necessárias aproximadamente 50 milhões de doses da vacina.

Depois de ter sido o epicentro global da doença, hoje a incidência de novos casos é baixa, seguindo padrão similar ao da maioria dos países vizinhos na Ásia.

A China tem quatro fábricas de vacina capazes de produzir 3 bilhões de doses por ano. O governo chinês tenta equilibrar a imunização da própria população com a estratégia de exportar o insumo, repetindo a diplomacia sanitária que já havia marcado o início da pandemia, com vendas e doações de máscaras, respiradores e outros insumos de Pequim ao exterior.

Wang Yi diante de bandeiras do Brasil e da China, no Palácio do Itamaraty

Nessa “diplomacia das vacinas”, a África é prioridade. O continente abriga projetos importantes da Nova Rota da Seda chinesa, além de ser celeiro de insumos para o crescimento chinês. Em janeiro, o chanceler chinês, Wand Yi, visitou cinco países do continente, com os quais negociou o envio de imunizantes contra a covid-19.